Divulgar cena de sexo, nudez ou pornografia é crime: breves comentários sobre o caso Neymar e o Art. 218-C do CP.
A semana iniciou com a notícia de que o jogador Neymar praticou crime de estupro contra uma mulher, em Paris, no dia 15 de maio do ano corrente, e a vítima noticiou tal fato à autoridade policial de São Paulo. Nesse sentido para tentar defender-se de uma acusação gravíssima, o acusado gravou um vídeo e publicou nas redes sociais as conversas que teve com a suposta vítima, inclusive, mostrando as fotos enviadas pela mesma, borrando as partes íntimas e nome da suposta vítima, contudo algumas mostraram o rosto e nome da vítima, o qual foi possível identificá-la.
Pois bem.
Com o avanço tecnológico dos meios de comunicação e a facilidade da internet, câmeras nos celulares, aplicativos de mensagens instântaneas, os famosos “nudes” circulam de forma desenfreada na sociedade e trazem sérios problemas a dignidade, honra, reputação da vítima e seus familiares. Dessa forma, o legislador incluiu através da Lei nº 13.718/2018, o Art. 218-C do Código Penal, com o objetivo de proteger a dignidade sexual dos cidadãos, visto a grande quantidade de circulação de vídeos, fotografias contendo cenas de estupro, estupro de vulnerável, bem como divulgação de cenas de sexo, nudez sem o consentimento da vítima.
Nessa diapasão, o art. 218-C do Código Penal prevê:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
- 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Exclusão de ilicitude (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
- 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Verifica-se que, o legislador no caput do art. 218-C do CP insere como núcleo do tipo penal os verbos: oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir ou divulgar. No caso do jogador Neymar fica nítido que o mesmo divulgou fotografia contendo cenas de nudez, áudios, sem o consentimento da vítima. Por mais que tenha tentado utilizar de recurso que impossibilitasse a identificação da vítima nas fotos nuas, foi possível identificá-la através do nome e rosto em outros trechos da conversa.
A situação que será apreciada em juízo consiste no fato se configura o crime do art. 218-C do CP divulgar fotos e vídeos íntimos mesmo com recurso que impossibilite o reconhecimento da vítima, mas no decorrer da divulgação é possível identificar o rosto e o nome da pessoa em imagem diversa. Considerando que foi uma divulgação de uma conversa em aplicativo de mensagem instantânea, entendo que configura o delito do art. 218-C do CP, visto que o tipo penal foi criado para evitar que pessoas que enviaram cenas de nudez, sexo para alguém não tenha sua vida íntima exposta em público, o que aconteceu.
Não paira dúvida que, a vítima sofre com essa exposição pública da sua vida sexual, afinal foi possível identificá-la. Por mais que a vítima tenha ido a público noticiar a prática do crime de estupro pelo jogador Neymar, tal fato não permite que o sequer indiciado divulgue as conversas entre si, cenas de nudez enviadas pela vítima, em redes sociais com o intuito de defender das acusações. Afinal rede social não é Juiz para julgar se houve ou não estupro.
Para alguns doutrinadores, como os ilustres professores de Direito Luiz Augusto D’Urso e Cezar Bitencourt, entenderam que não houve a prática do crime previsto no art. 218-C do CP, tendo em vista que o jogador não teve o dolo de divulgar as fotos íntimas, inclusive, teve a preocupação de desfocar e preservar o nome da suposta vítima. Ambos concluíram que o intuito da divulgação foi tão somente defender-se de uma acusação gravíssima de estupro através das redes sociais por ter milhões de seguidores e alcançaria o maior número de pessoas pelo fato dele ser uma pessoa pública.
Por mais que as cenas de nudez da vítima estivessem desfocadas, o fato de tratar-se de uma transmissão de conversa foi possível identificar a pessoa que teve as partes íntimas divulgadas, independentemente, se a intenção dele era apenas defender-se de uma acusação de estupro ou está sendo vítima de uma extorsão.
Salienta-se que, o §1º do art. 218-C do CPB estabelece que a pena pode ser aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime foi praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Entendo que, no caso do jogador Neymar, deve ser aplicado a causa de aumento da pena, pois o próprio jogador comenta que ocorreu uma relação íntima, independentemente, se foi um ou dois encontros, casualmente e não havia interesse de continuar.
Com todas as Vênias, entendo que, no caso do jogador Neymar, não se encontra guarida a exclusão de ilicitude constante no art. 218-C, §2º do CP, pois a publicação não tinha natureza jornalística nem muito menos científica, cultural ou acadêmica.
Para concluir, por mais que uma acusação de estupro traga inúmeras consequências negativas na vida pessoal, profissional do cidadão e seus familiares, divulgar fotos de outrem com cenas de nudez, sexo para defender das acusações em rede sociais, não exclui o dolo do art. 218-C do Código Penal. Ademais a Constituição Federal de 1988 garante a qualquer cidadão o direito do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência.
Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.br – alberto@pmadvocacia.adv.br @albertomarianojr @pinheiromariano.adv