Blog Pinheiro & Mariano

Breves comentários sobre a pandemia do Covid-19 e o Direito Penal

30 de março de 2020 | por admpima

Nos últimos dias, o Brasil vive as consequências da pandemia do Covid-19 e inúmeras medidas foram tomadas no âmbito do governo Federal, Estadual e Municipal com o intuito de evitar a propagação desse vírus no país.

A Lei Federal nº 13.979/2020 estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus:

Art. 2º  Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:

I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e

II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

Parágrafo único.  As definições estabelecidas pelo Artigo 1 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020, aplicam-se ao disposto nesta Lei, no que couber.

No artigo citado acima, o legislador define o que consiste isolamento, bem como quarentena, haja vista que no art. 3º da Lei nº 13.979/2020 prevê inúmeras medidas que podem ser adotadas para fins de não propagação do coronavírus, como: isolamento, quarentena, realização compulsória de exames médicos, restrições nos meios de transportes, conforme se ver abaixo:

Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

IV – estudo ou investigação epidemiológica;

V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:                (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

a) entrada e saída do País; e            (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

b) locomoção interestadual e intermunicipal;          (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

O título VIII do Código Penal trata a respeito da incolumidade pública que consiste na segurança de todos os membros da sociedade e no capítulo III prevê os crimes contra a saúde pública e o art. 268 do Código Penal estabelece que infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa é crime com pena de detenção, de um mês a um ano, e multa. Ademais a pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Verifica-se que, o crime citado pode ser cometido por qualquer pessoa que viole uma determinação do poder público de combate a propagação do Covid-19. O art. 268 do CP precisa ser complementado por outra norma que estabelece medidas para evitar a propagação como isolamento, fechamento de bares e restaurantes, cinemas, dentre outros.

Trata-se de um crime contra a saúde pública e consuma com o descumprimento da medida sanitário prevista, de modo que, é um crime de perigo abstrato, visto não exigir a ocorrência do dano efetivo.

Acrescenta-se que, se do crime doloso de perigo comum resultar em lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro, conforme estabelece o art. 285 e 267, ambos do CP.

Outro ponto que é preciso ressaltar consiste no art. 269 do CP, no qual o médico tem a obrigação de informar as autoridades públicas sobre suspeitas ou caso de pessoa infectada sob pena de praticar o crime abaixo:

Omissão de notificação de doença

Art. 269 – Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Por sua vez, o art. 6º da Lei nº 13.979/2020 prevê:

Art. 6º  É obrigatório o compartilhamento entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de dados essenciais à identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de infecção pelo coronavírus, com a finalidade exclusiva de evitar a sua propagação.

§ 1º  A obrigação a que se refere o caput deste artigo estende-se às pessoas jurídicas de direito privado quando os dados forem solicitados por autoridade sanitária.

§ 2º  O Ministério da Saúde manterá dados públicos e atualizados sobre os casos confirmados, suspeitos e em investigação, relativos à situação de emergência pública sanitária, resguardando o direito ao sigilo das informações pessoais.

Observa-se que essa obrigação do médico de notificar as autoridades competentes é muito importante, pois com tais informações o Ministério de Saúde e outros órgãos podem adotar outras medidas com o objetivo de evitar a propagação do vírus.

Ressalta-se que é um crime de perigo abstrato e o crime é consumado com a omissão do médico ao deixar de informar à autoridade sobre um caso de coronavírus ou suspeito.

Por conseguinte, é salutar comentar possíveis práticas criminosas por parte dos fornecedores de produtos de álcool em gel e máscaras com o aumento abusivo dos preços, em razão do aumento exponencial da procura de tais produtos pela população com o intuito de proteger-se da pandemia do coronavírus.

A citada prática por alguns fornecedores é criminosa e deve ser reprimida pelas autoridades competentes, inclusive, com instauração de inquérito policial ou procedimento investigativo pelo Ministério Público. O Art. 39, inciso V e X da Lei 8.078/1990 (Lei que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências) considera prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva” e “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.

A Lei 8.137/1990 (Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências) prevê no seu artigo 4º, II, “a”, fixação artificial de preços ou quantidade vendidas ou produzidas contra relação de consumo, pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Não resta dúvida que, o aumento dos preços do álcool em gel e máscaras nesse momento da alta procura dos consumidores ocorreu tão somente para majoração do lucro, afinal não há fundamentação para o aumento excessivo. Apenas para exemplificar, uma pesquisa realizada pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) identificou um aumento médio de 581% no valor das máscaras N95 e 569% no aumento da máscara cirúrgica, o que ratifica nosso posicionamento.

Por sua vez, a Lei 1.521/1951 (Altera dispositivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular) estabelece no art. 2º, IX, obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações, pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. E no art. 3º, VI, provocar a alta ou baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas, operações fictícias ou qualquer outro artifício, pena de detenção de 2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e multa.

Por fim, saliento que o presente artigo não visa esgotar todos os crimes que podem ocorrer nesse momento da pandemia do coronavírus no Brasil, de modo que, o objetivo foi tão comentar fazer breves comentários sobre alguns crimes.

Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.bralberto@pmadvocacia.adv.brCanal no Youtube: Prof. Alberto Mariano

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