Blog Pinheiro & Mariano

30 ANOS DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O PROCESSO PENAL DA ATUALIDADE.

1 de novembro de 2018 | por Alberto Mariano

No último dia 05 de outubro do corrente ano, a Constituição Federal do Brasil completou 30 anos de sua promulgação e o presente artigo visa pontuar se há algo que podemos comemorar atinente o processo penal ao longo desse período.

A Constituição Federal de 1988 é considerada cidadã porque no seu bojo contém uma série de direitos e garantias, pois o Brasil estava vivendo a redemocratização com o fim da ditadura militar, período este, que determinados direitos e garantias foram limitados, e muitas vezes, cerceados. Por tal razão, o legislador constituinte optou em elaborar uma Constituição analítica, no qual estabelece uma sequência de direitos e garantias.

Pois bem.

Ultrapassados 30 anos da promulgação da Carta Magna, o processo penal vive um grave caos instalado e não há razão para comemoração. O brasileiro está vivendo numa sociedade que o medo está instalado e o Poder Judiciário tenta diminuir a violência mesmo não sendo a sua função.

O Poder Judiciário tem o dever constitucional de julgar e aplicar as leis previstas no ordenamento jurídico, contudo a todo momento com o discurso de reduzir a criminalidade viola normas de direitos fundamentais e a Constituição Federal de 1988. Dessa forma, gera uma grande insegurança jurídica no país e traz sérias preocupações considerando que direitos e garantias são violados.

A insegurança jurídica no Brasil é tamanha que a própria Suprema Corte do país relativizou um princípio constitucional na decisão constante no HC nº 126292 do STF. Com, Data Máxima Venia, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram a favor do início da execução da pena, o art. 5º, inciso LVII, da CF/1988 dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ora, o texto é expresso não há como ser interpretado de forma distinta, para que alguém seja considerado culpado é imprescindível o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

Não é razoável o Julgador entender de forma distinta, pois o texto constitucional é claro, logo não é possível modificar a norma constitucional com objetivos diversos, pois não é função do STF legislar modificando o ordenamento jurídico com fundamento no objetivo de reduzir a criminalidade e impunidade, combater a procrastinação dos réus que utilizam de inúmeros recursos no sentido de reconhecer a prescrição e outras razões.

Outro ponto que merece ser abordado é referente à homologação da delação premiada para réus presos. A partir da Lei 12.850/2013 o instituto da colaboração premiada passou a ser aplicada no Brasil de forma mais efetiva apesar de legislações anteriores já conter tais benefícios que dar direito à redução de pena aos réus que tenham colaborado “efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”.

A Lei citada é clara em determinar que a colaboração exija a voluntariedade, logo o réu preso colaborando não pratica o ato de forma espontânea como determina a previsão normativa. Fica evidenciado o abuso das prisões preventivas mantidas pelo Poder Judiciário no sentido de coagir psicologicamente o réu para colaborar, inclusive, com restrição de patrimônio dos mesmos e familiares, com o intuito de pressionar psicologicamente o investigado para obter as delações.

Recentemente, o Ministério Público Federal lançou uma campanha nacional “10 medidas contra a corrupção” com a finalidade de obter assinaturas para propor um anteprojeto de lei de iniciativa popular. Acontece que, algumas propostas ultrapassam o mínimo de um processo penal democrático, visto propor reformas que violam direitos e garantias constitucionais.

Umas das propostas consistem em acrescentar como hipótese da prisão preventiva, o cerceamento da liberdade do cidadão até identificar e localizar a devolução do produto e o proveito do crime no sentido de evitar a dissipação do dinheiro ilícito ganho com crimes. Ora, é uma hipótese de cabimento totalmente ilegal porque não respeita os princípios da presunção de inocência e in dúbio pro reo. É preciso ter um processo penal para apurar a autoria e materialidade do delito, portanto fica nítida a inversão das regras do jogo democrático com a hipótese da prisão citada.

Outra proposta é referente ao prazo prescricional tanto da prescrição executória quanto punitiva, inclusive, defende a extinção da prescrição retroativa por entender que resulta em protelações do processo, desperdícios de recursos públicos. Pois bem, a culpa pela morosidade da justiça, da ineficiência do Estado em gerir processos judiciais não pode recair contra o réu e muito menos alterar as normas com o intuito de tirar direito do réu recorrer para instâncias superiores.

Não é razoável nem tampouco justo alterar as normas com o discurso de reduzir a impunidade, dar celeridade processual tirando direitos dos cidadãos, de modo que, o direito de defesa será totalmente prejudicado.

O ativismo das propostas segue com a possibilidade de execução imediata da condenação quando o tribunal reconhece abuso do direito de recorrer. Esse tipo de previsão legal é bastante perigoso na seara criminal, afinal esse termo abuso do direito dependerá da interpretação dado pelo julgador. Portanto gera insegurança jurídica, logo são inaceitáveis esses tipos de previsões legais que deixam lacunas.

E as ideias absurdas prosseguem com a exclusão do recurso embargos infringentes e nulidades que é um recurso importantíssimo da defesa por impugnar decisão não unânime desfavorável ao réu que tem o voto discrepante favorável à defesa. O aludido recurso permite a reapreciação da matéria pelos Julgadores e com uma maior atenção poderá modificar o julgado. É preciso ter consciência que o direito penal trata-se de liberdade e o processo penal traz inúmeras mazelas tanto para o indivíduo quanto toda a sua família.

O Processo Penal atual é midiático e o discurso que prevalece na sociedade do caos é o combate à corrupção a qualquer custo sem respeitar os direitos e garantias do cidadão. A população só percebe a importância dos limites ao poder punitivo do Estado quando se torna a vítima desse sistema. É um procedimento complexo conscientizar a sociedade do simbolismo das leis, da segregação social e racial das leis penais, portanto, até que a população tenha essa capacidade crítica do nosso sistema penal é salutar que as instituições democráticas, em especial, o Poder Judiciário respeite e cumpra as normas constitucionais de um processo penal democrático respeitando o princípio da presunção de inocência, princípio do in dubio pro réu, devido processo legal, do contraditório e ampla defesa.

Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.br – alberto@pmadvocacia.adv.br

Compartilhar