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Audiência de Custódia: o senso comum da sociedade de que a Polícia prende e a Justiça solta.

11 de setembro de 2018 | por Alberto Mariano

As audiências de custódia foram estabelecidas pela Resolução nº 213 de 15/12/2015 do Conselho Nacional de Justiça, no qual todo cidadão que for preso em flagrante delito tem que ser encaminhado ao Poder Judiciário até o prazo de 24 horas para que o Juiz analise a prisão, ouvindo o preso, manifestação do Ministério Público e Defesa, e tome as medidas cabíveis de homologar ou relaxar a prisão em flagrante, caso tenha ocorrido alguma ilegalidade na prisão em flagrante. Além disso, verificará a adequação e necessidade em decretar a prisão preventiva, desde que tenha os pressupostos e hipóteses de cabimento comprovados ou conceder a liberdade provisória com ou sem medida cautelar.

Não abunda repisar que, o Brasil ratificou Pactos e Tratados Internacionais, como Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos – Pacto São José de Costa Rica, no qual preveem que todo preso deve ser encaminhado ao Poder Judiciário até 24 horas da sua prisão.

Apesar das audiências de custódia ter aproximadamente três anos de sua implementação pelos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais, as discussões a respeito de supostas benevolências às pessoas que supostamente tenham praticados crimes não diminuíram. Há um senso comum enraizado em algumas camadas da sociedade e propagado muitas vezes pelos meios de comunicações sensacionalistas que visam a espetacularização do processo penal, de que a Polícia “faz o trabalho dela, prender” e a Justiça solta os “delinquentes”.

Infelizmente esse discurso do ódio, da vingança no Brasil consegue ser divulgado, propagado, e convencer mais que a realidade propriamente dita. No próprio site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nas estatísticas, comprovam que ocorreram mais decretações de prisão que concessão da liberdade provisória. Ou seja, verifica-se que esses discursos que criticam as audiências de custódia são genéricos, sem respaldo de informações, portanto não prospera.

Tal situação ocorre, em Salvador, numa pesquisa realizada pelo Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP) no Núcleo de Prisão em Flagrante da capital baiana durante um período, foi constatado que a diferença entre concessão da liberdade provisória e decretação da prisão preventiva era de apenas 1% (um por cento). Ou seja, quase não há diferença, logo a Justiça não solta qualquer preso!

Não abunda repisar que, a Carta Magna de 1988 prevê o princípio da presunção de inocência, no qual o cidadão apenas será considerado culpado quando transitar em julgado sentença penal condenatória. Portanto mesmo as pessoas sendo acusados de ter praticado crimes tem o direito de responder o processo penal em liberdade, salvo se houver comprovado as hipóteses de prisões previstas em lei.

Dessa forma, o Juiz, na audiência de custódia, tem o papel de verificar as circunstâncias da prisão, se é possível o preso responder o processo penal em liberdade, ou encontra-se comprovado os pressupostos e hipóteses de cabimento da prisão preventiva. Portanto, em determinados casos que, não houve violência, grave ameaça, o preso é primário, bons antecedentes, residência fixa, trabalhador, é costumeiro os Julgadores permitirem que essas pessoas respondam o processo em liberdade.

Acontece que, na maioria das concessões de liberdade provisória, os Juízes costumam estabelecer algumas medidas cautelares diversa da prisão prevista no art. 319 do CPP, como: comparecimento periódico em juízo, impossibilidade de sair da comarca, não comparecer em determinados locais, recolhimento noturno, monitoração eletrônica. Logo, a pessoa foi beneficiada pela liberdade provisória, contudo não está em liberdade plena, como se nada tivesse acontecido.

A discussão do senso comum ocorre também quando a pessoa é presa novamente quando estava liberdade provisória com alguma medida cautelar. Em pesquisa realizada recentemente também, o IBADPP constatou que o percentual de pessoas que voltam a delinquir é minimo. Portanto não há razão para a sociedade clamar que a culpa do novo crime foi do Juiz ou da audiência de custódia que soltou o individuo, o Juiz no momento de julgar não tem como prevê que aquele indivíduo vai praticar um novo delito.

Cabe destacar que, as condutas criminosas que são mais analisadas nas audiências de custódia são: tráfico ilícito de entorpecentes, roubo simples, roubo com emprego de arma de fogo, furto majorado. Ou seja, há uma predominância de prática de crimes patrimoniais, no qual a sua maioria são praticados por pessoas de classe baixa, desempregada que vive em situção de pobreza, na maioria das vezes. Além disso, nas estatísticas do IBADPP, verifica-se uma predominância esmagadora do sexo masculino, de cor negra, com baixo grau de instrução escolar.

Vivemos numa sociedade que deseja a morte, vingança, crueldade para os acusados de terem praticados crimes, contudo, muitas vezes sequer ocorreu uma investigação criteriosa, com perícias, reconhecimentos, acareações, documentos. De modo que, muito dessas pessoas acusadas são vítimas de um sistema precário de investigação por parte das polícias e poder judiciário, que junto ao Ministério Público estão assoberbados de processos, prazos de andamento, relatórios, metas, no qual precisam dar vazões aos processos, muitas vezes sem o devido cuidado, zelo e respeito aos princípios da Presunção de Inocência e IN DUBIO PRO REO..

É preciso que a sociedade tenha consciência que prender o indivíduo e “jogar” num estabelecimento prisional, em nada serve. Pois as organizações criminosas utilizarão desses indivíduos para prática de crimes mais graves, e torna-se uma roda gigante. O Brasil tem uma das maiores população carcerária do Mundo, logo a atual política criminal não está surtindo efeito, pois a violência não diminuiu com o cárcere. Portanto, prender a pessoa que praticou qualquer crime e deixar recluso num estabelecimento criminal na atual condição, sem estrutura para trabalho, estudo, não tem a capacidade de reduzir a criminalidade.

Autor: Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA.

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