Blog Pinheiro & Mariano

A INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO STF: CRIMINALIZAÇÃO DA DÍVIDA DO ICMS DECLARADO.

15 de julho de 2020 | por Alberto Mariano

No dia 18/12/2019, foi realizado julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 163334 interposto pela defesa de comerciantes de Santa Catarina denunciados pelo Ministério Público Estadual (MP-SC) e o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria dos Ministros, votaram pela criminalização da dívida do ICMS declarado.

Os Ministros favoráveis da criminalização entenderam que o contribuinte, de forma contumaz, e com dolo de apropriação, deixar de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, incide na lei nº 8.137/1990 que define crimes contra a ordem tributária. A tese do Ministro Relator Roberto Barroso foi seguida pela maiorida dos Ministros, no qual entende que o valor do ICMS cobrado do consumidor não integra o patrimônio do comerciante, de modo que, este é apenas depositário e deve recolher aos cofres públicos.

O art. 2º da Lei 8.137/90 prevê que:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:                 (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O Supremo Tribunal Federal com a decisão citada acima alterou o entendimento quanto aos crimes tributários, pois era pacífico a necessidade da realização de manobras fraudulentas com o intuito de reduzir a quantidade de imposto pago para configuração do crime. Com a nova decisão, o inadimplemento passa a ser configurado a prática delitiva, ainda que tenha sido declarado o imposto que deveria pagar.

É sabido que o direito penal deve ser aplicado como ultima ratio, não pode ser utilizado como instrumento de cobrança de impostos. É exigido o dolo para configuração do crime de sonegação a partir da análise de uma fraude por parte do contribuinte, contudo como é que há uma fraude se o tributo foi declarado?

A Lei 8.137/90 que tipifica os crimes tributários criminaliza as condutas de sonegação com a finalidade de pagar menos tributos, e não o inadimplemento do imposto. Afinal quem declara o imposto e não paga, é devedor do imposto e não criminoso, inclusive, o Município, Estado, União tem meios próprios para cobrança dos impostos.

É preciso ressaltar também, que na decisão proferida pelo STF, para configuração do crime é exigido que o devedor seja contumaz, contudo no ordenamento juridico não há tal definição para que seja aplicado no direito penal. Afinal, quando o devedor é contumaz? e outra, todo devedor contumaz de imposto vai ser processado criminalmente?

Não abunda repisar que, o devedor contumaz não costuma declarar e nem tampouco repassar os impostos. Logo a decisão constante no RHC 163334 pode resultar numa “politica de arrecadação de impostos”, o que não é dever do direito penal.

A decisão, ora em comento, não se deu em sede de repercussão geral, contudo é sabido que esse tipo de decisões resulta em precedentes que começam a ser aplicados por outros Magistrados.

Pelo exposto, a decisão do STF ultrapassou os limites da razoabilidade e proporcionalidade, visto criminalizar a dívida do ICMS declarada sem exigir para consumação do crime qualquer tipo de fraude com o intuito de reduzir os valores do imposto. Mesmo a administração pública tendo meios juridicos próprios para cobrar judicialmente os devedores de impostos.

 

Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.bralberto@pmadvocacia.adv.br – Youtube: Prof. Alberto Mariano

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